quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Passei a vida a fugir de fantasmas. Espíritos alojados à tona do pensamento tentam afogar-me com insinuações e sombras, aparições fogazes no canto de um olho. Tenho medo do escuro. Tenho medo das tábuas do soalho que rangem sem as pisar, do canto de um pássaro nocturno que me parece sempre o corvo companheiro da Morte. E penso que quem ali está é o espírito de antigos amores, de gente querida há tanto foragida, que vem para me tocar com os seus dedos gélidos, e dessa forma me deixarem a tremer. Porque ninguém melhor do que os mortos nos pode ensinar que a vida deve ser vivida com um nó no estômago... Ou talvez seja a própria Morte quem está finalmente ali, chegada de longe, cansada, sentada no meu sofá, mais como uma visita do que como um intruso. A Morte tem a chave de minha casa. E por isso não são poucas as vezes em que corro a acender as luzes, para com elas matar a Morte. Sinto sempre que a escuridão me observa, sinto que o vazio me provoca, sinto que o silêncio me ataca. A luz, como a grande armadura divina, protege-me. Reconforta-me. Mas também me desilude.

Porque afinal pior do que um destino mau é o destino nenhum. E quando as sombras não escondem monstros, quando o gelo e o terror teatral que me fazem percorrer correndo esta casa solitária não são mais do que um nevoeiro no meu entendimento, sinto-me desapontado. Sinto que a vida devia ser mais como o medo que antevejo. Sinto que a minha vida devia ser mais como o meu estômago cambaleante, quando, pelo canto da visão, detecta movimento fantasma. Sinto que a Morte afinal ainda não me veio ver porque ela sabe que em mim não há espólio suficiente para a enriquecer. Ela sabe. Ela vê-me. Ela observa-me. Ela compreende que a minha vida temida me faz correr, enquanto a minha vida real não tem mais valor do que a existência de um corpo acantonado à janela, fumando um cigarro. Amedrontado demais para me mover, olho as estrelas, absorvo a luz da Lua, e desejo como uma criança deseja uma prenda que quando voltar as costas à rua, e de novo enfrentar o escuro, esteja lá ela. Ela, o Amor. Ela, a Paixão. Ela, o Fascínio. Ela, a Maravilha. Ou até ela, a Morte. Mas não. É apenas ele. O Nada. É sempre ilusão de canto de olho.

E quando por vezes uma outra luz me ofusca a partir dos holofotes apressados de um carro a passar abaixo da janela, componho a minha postura, dou a sensação de ser de novo um homem sem medo. E por um instante imagino o que verá aquela pessoa para além do vidro da noite. Imagino se por acaso verá, pelo canto do olho, um homem nú fumando desajeitadamente na janela de um prédio. E compreendo que, na verdade, o único fantasma nesta casa sou eu.

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