terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dizem que há mais nada do que tudo. Dizem que que o espaço entre átomos é maior do que o tamanho de cada átomo em si; que o espaço entre moléculas é maior do que a soma dos tamanhos dos átomos; que as ligações entre moléculas as mantêm a uma distância maior umas das outras do que todos os seus tamanhos juntos; que há mais espaço entre planetas do que o raio de um qualquer sol. Dizem que passa mais tempo num segundo entre movimentos do ponteiro do que o próprio tempo que o ponteiro demora a mover-se; que por muitos ramos tenham as árvores da floresta, há sempre mais espaços do que folhas; que por muitas que sejam as estrelas que furam o céu com a sua luz, a esfera celeste continua a ser um manto escuro.

E têm razão. Por muitas voltas que se dê ao problema, o Mundo é feito de vazios. Espaços em branco. Páginas por escrever. Panos de fundo genéricos. Desenhos em negativo. Hiatos. Lacunas.

And the things you can't remember
Tell the things you can't forget.

Por isso, dizem que devemos aproveitar o ócio, que devemos descansar, viver os momentos vazios da vida em pleno. E assim sentir-nos-emos em comunhão com o Universo oco. Dizem que existe algo de criativo na inacção, que se simplesmente pararmos quietos as ideias cair-nos-ão aos pés como pardais num campo de tiro, abatidos pela monotonia. Dizem que se baixarmos o ruído de fundo das actividades laboriosas com as quais nos entretemos de sol a sol, vamos ser capazes de nos escutar a nós mesmos a gritar desde o fundo das nossas memórias. E aí teremos a razão.

Eu, digo que não. Não quero a razão. Quando é tempo de parar e ficar em casa a reflectir, eu saio disparado e bato com a porta. Quando é tempo de abraçar o ócio como a um velho amigo chegado de viagem, eu dou-lhe um soco na face. Quando é tempo de abrandar, eu acelero, até na via da direita. Quando me contam uma verdade, eu passo-a de volta como uma mentira. As razões passivas mastigadas pelo intelecto pouco me dizem. O meu caminho sou eu que trilho com a força das minhas pernas, sou eu que escalo com as minhas mãos. Para abrir um caminho é preciso falhar, tornar a falhar, e falhar de novo; abrir túneis com dinamite onde antes só existia rocha. Não há estradas direitas nem troços pré-feitos nem nada que se faça bem por um desenho de régua e esquadro. Os caminhos lineares e as respostas que o silêncio nos traz não passam de soluções assépticas, laboratoriais, intocadas pela dura chapada na cara da realidade. É preciso espremer a vida de todas as maneiras possíveis para que ela brote alguma réstia de satisfação ou de gosto.

I can't get no satisfaction
'Cause I try and I try and I try and I try.

Dizem-me muitas coisas, e eu não acredito em nenhuma. Nem quando me pedem para navegar tranquilamente pelos enormes espaços vazios, pelos hiatos e pelas lacunas dos outros; que observe as florestas e os planetas e as estrelas, e veja quanta beleza deles radia. Não me peçam que me afaste; que me acalme; que relaxe. A minha vida é um universo em plena expansão, acelerando até ao abismo que está para além do infinito. E se há tempo que gosto de perder é apenas este, em que nestas linhas escrevo as crónicas do que será sempre o meu grande, eterno falhanço. Falhar é o maior prazer que há na vida.


Sem comentários:

Enviar um comentário