Caminhar é o movimento necessário para rodar a grande engrenagem do pensamento. Ao caminhar, chamo a mim todas as ideias e deixo que oscilem soltas no vazio gelado, como os meus braços oscilam no ar frio que me ultrapassa constantemente o corpo. A noite dos dias de semana, quando a vida pública se desfaz e os outros regressam ao privado escondido que se esforçam por não deixar descobrir, é a melhor altura para me dar a liberdade de escutar as minhas ideias mais profundas. Ideias que surgem ao som repetitivo e embalador dos meus passos.
Caminho à noite entre prédios semi-acesos de luzes por detrás de cortinas, rostos que por vezes se descobrem tão pensativos como eu, mas lá no alto. Caminho por ruas desertas, que como uma maré baixa solar se esvaziaram com o surgir da Lua. Caminho por entre carros esparsos com luzes tatuadas e barulhos profanos, aproveitando semáforos que mudam de cor para ninguém. Caminho por entre o ladrar ocasional de um cão, por entre o olhar vidrado de um gato perdido. As pedras da calçada, o afalto, as sarjetas - são o pano de fundo do meu olhar, o único horizonte que já espero alcansar. Já não vislumbro mais longe, nem tenho janela onde possa acender uma luz e mostrar a minha cara.
Sinto-me morador destas ruas. Prefiro a estrada ao conforto da cama. Os sem-abrigo desta cidade são os meus únicos vizinhos. As línguas estrangeiras de alguns cabelos louros que por vezes me aparecem ao caminho são a minha única música. Dedicaria a minha vida a caminhar se assim o pudesse. Iria ver outras ruas, outras calçadas, outras sarjetas, outros rostos nas janelas com ou sem cortinas. Iria até que as minhas solas se gastassem e já não soubesse articular uma única palavra sem ser para dentro. Correria cidade atrás de cidade, e de todas gostaria. Porque eu amo a cidade com a mesma violência com que odeio as pessoas que me levam a recolher-me de dia. A cidade é honesta. Quisera eu encontrar um lugar onde as pessoas também o fossem.
E continuo, esperando que algum dia a luz de uma janela me conduza a casa.
Caminho à noite entre prédios semi-acesos de luzes por detrás de cortinas, rostos que por vezes se descobrem tão pensativos como eu, mas lá no alto. Caminho por ruas desertas, que como uma maré baixa solar se esvaziaram com o surgir da Lua. Caminho por entre carros esparsos com luzes tatuadas e barulhos profanos, aproveitando semáforos que mudam de cor para ninguém. Caminho por entre o ladrar ocasional de um cão, por entre o olhar vidrado de um gato perdido. As pedras da calçada, o afalto, as sarjetas - são o pano de fundo do meu olhar, o único horizonte que já espero alcansar. Já não vislumbro mais longe, nem tenho janela onde possa acender uma luz e mostrar a minha cara.
Sinto-me morador destas ruas. Prefiro a estrada ao conforto da cama. Os sem-abrigo desta cidade são os meus únicos vizinhos. As línguas estrangeiras de alguns cabelos louros que por vezes me aparecem ao caminho são a minha única música. Dedicaria a minha vida a caminhar se assim o pudesse. Iria ver outras ruas, outras calçadas, outras sarjetas, outros rostos nas janelas com ou sem cortinas. Iria até que as minhas solas se gastassem e já não soubesse articular uma única palavra sem ser para dentro. Correria cidade atrás de cidade, e de todas gostaria. Porque eu amo a cidade com a mesma violência com que odeio as pessoas que me levam a recolher-me de dia. A cidade é honesta. Quisera eu encontrar um lugar onde as pessoas também o fossem.
E continuo, esperando que algum dia a luz de uma janela me conduza a casa.
"As línguas estrangeiras de alguns cabelos louros que por vezes me aparecem ao caminho são a minha única música."
ResponderEliminarSão a música.
A violência do meu amor por todos os sítios e por nenhum.